Vivi uma situação nada inusitada; pois, já me acostumei.
Meus amigos editores do Diário da Região de SJRP não gostaram de meus humildes comentários a respeito da morte vip assistida; daí; não publicaram. Tudo bem; pois a região é considerada vip no quesito de medicina tecnológica; transplantes daqui e dali; e os interesses de todos nós se misturam e se separam; coisa de centrifugação cósmica.
Vamos ao que foi enviado na época:
Disse eu (sem correções):
“Saudável a pequena discussão criada a respeito da unidade de cuidados paliativos, que o hospital de Base instalou; lamentavelmente superficial, em se tratando de assunto tão importante como a morte; única certeza na existência de quem se considera vivo. – sim; muitos de nós estamos mortos há muito tempo apenas não fomos ainda enterrados; dão que, pouco ou nada criativos e úteis.
Nada contra o novo “serviço” implantado; mas, ele pode propiciar saudáveis debates ou fugas como sempre houve. Ressalvas contra o ufanismo de “serviço de ponta e referência”. Será que os pacientes rotulados de terminais vão receber instruções de como morrer de forma correta? – Haverá um manual de instruções? – provavelmente não; mas, deveria haver. Gostaria imensamente de ver a medicina de nossa cidade como referência em educar para a saúde e campeã de morte natural ao invés de morte doentia.
Nossa intenção é gerar assunto para debate; pois a morte já está para lá de desmitificada – até cientificamente já está provado que ela não existe.
Quem nascido em 3D não é doente terminal, com passaporte, visto de saída, entrada e passagem comprada; só falta marcar a data para mudar de CEP para 4D?
Que tal discutir:
O que é boa morte e má morte?
Morrer com luxo é mais saudável do que na miséria?
O que é morrer com dignidade?
O que é morte tranqüila e sem dor?
Uma questão não mais admite discussões:
A medicina sempre foi e será paliativa para evitar a morte.
A idéia de que curas são vendidas como sabonete se fixou; e hoje é real. Buscamos a cura como se procuram mercadorias num mercado; não queremos nos curar queremos ser curados não importa de que forma e a que preço, muito menos nós medimos conseqüências. A cura como necessidade de mudanças definitivas na forma de pensar, sentir e agir, de reformular hábitos e eliminar vícios prazerosos é evitada, pois, às vezes exige decisões contundentes na maneira de escolher, separar, avaliar – isso sinaliza falta de educação para a vida. O resultado é que esse tipo de busca não representa uma decisão séria de cura da nossa parte; uma opção verdadeira entre diferentes meios de vida, pois enquanto alguém achar que pode comprar saúde, outro pensará ser capaz de vender cura; Pior, outros mais espertos tentarão intermediá-la. Nada resolve tudo e, a medicina e o método científico não são exceções à regra. Quando totalmente atrelada à razão científica ela é neutra quanto a fins, e irremediavelmente, incapaz de responder à questão de como viver, para que viver; Ora, parece que viver, é apostar na liberdade de pensar e escolher.
A metodologia científica, não nos diz como usar essa liberdade e o que fazer de nossas vidas. Qualquer ato de escolha, por mais simples que seja, ultrapassa a esfera de competência da ciência. Então, a saúde ou a doença passa a ser principalmente questão de filosofia de vida; é uma escolha como outra qualquer, envolve todos os nossos sentidos e capacidades, nem sorte, nem azar, nem destino. Opção feita aguarde-se as conseqüências.
Fruto da má educação: somos seres insaciáveis; acreditamos que a vida existe apenas para nos dar prazer e, na ânsia de aproveitá-la, corremos para os braços da morte. Existe um apetite desgovernado por sensações e, a nossa capacidade de assimilá-las e integrá-las a um projeto de vida que faça sentido; ainda é ridícula.
Desde que criamos a doença buscamos a cura; mas de forma infantil como ocorrência mágica destituída de esforço; talvez porque a doença reacenda o medo da morte e, onde há medo, há submissão. O paciente deveria ser parte ativa nas decisões que implicam em como viver e de que forma se curar. Entristece ouvir: “Doutor, estou em suas mãos!” “Abaixo de Deus, somente o senhor!” “É minha última esperança!” – Ou; dei ao meu familiar o melhor: vai morrer no serviço de cuidados paliativos do HB.
Porque a medicina não cura definitivamente?
O problema não está na ciência ou na tecnologia, sim no uso que se faz dela; a explicação é muito simples: se a medicina de qualquer tipo pudesse nos curar para sempre seria um absurdo, um caos, pois nem todos têm acesso aos recursos ao mesmo tempo, o que seria uma crueldade. A justiça natural não comporta mágicas, milagres nem privilégios.
O estilo de medicina atual mais ajuda a morrer mais depressa do que a viver mais; e um dos problemas, disfarçado de solução pela ciência dos homens são os anti isso ou aquilo; ao bloquearmos satisfatoriamente os efeitos, não nos interessamos em reformar a conduta. Essa passividade cria o conceito de doença incurável e acentua o conformismo.
Convidamos o leitor a avaliar seus motivos para temer a morte – e a correr para aprender a morrer com eficiência e dignidade – bem longe dos serviços de medicina paliativa.
No chamado mundo moderno ela foi transferida para hospitais onde a ignorância com relação ao fenômeno leva à sedação desnecessária do moribundo, o que, causa problemas durante a crise e depois dela; no trato com doentes terminais cuja morte é aguardada, há quixotescamente um exército de indivíduos lutando contra ela; e raros preparados para ensinar o doente a morrer; os que têm alguma assistência recebem apenas os conceitos emocionais religiosos de perdão dos pecados, céus e infernos sem racionalidade.
Precisa-se com urgência de profissionais preparados para o tratamento psicoterapêutico da morte. Essa crise pode ser estudada por trabalhadores dos hospitais de doentes terminais para melhor compreensão e posterior aplicação.
Dr. Américo Canhoto. Médico de famílias; educador em saúde; escritor.
sábado, 24 de julho de 2010
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